Reportagem publicada no Anuário da Justiça Direito Empresarial 2025
O custo da judicialização das relações de trabalho subiu 69% nos últimos quatro anos. O cálculo se refere aos valores pagos pelas empresas aos reclamantes, como são chamados os empregados que recorrem à Justiça do Trabalho em busca de seus direitos. Em 2020, as empresas haviam desembolsado R$ 29 bilhões com execuções trabalhistas, pagamentos espontâneos e acordos. Já em 2024, essa despesa saltou para R$ 49 bilhões — ou seja, um acréscimo de R$ 20 bilhões em valores absolutos.
O recorte temporal revela um aumento gradativo no número de ações. Em 2020, chegaram três milhões de novas ações na Justiça do Trabalho. No ano seguinte, houve sensível queda na demanda, com 2,9 milhões de processos, segundo o DataJud, base de dados do Conselho Nacional de Justiça. Para especialistas, a estatística reflete o esforço da reforma trabalhista de 2017, que criou mecanismos como os honorários de sucumbência nas ações da Justiça do Trabalho, justamente para conter a alta demanda. “As pessoas começaram a ter o receio, válido, de ter que pagar em cima dos pedidos perdidos”, afirmou o advogado Rafael Caetano de Oliveira, sócio do escritório Mattos Filho, ao Anuário.
Naquele ano, contudo, o Supremo declarou inconstitucional a cobrança de honorários advocatícios e periciais sucumbenciais dos beneficiários da Justiça gratuita nas demandas trabalhistas. Coincidência ou não, a distribuição na Justiça do Trabalho começou a subir: em 2022, a demanda foi de 3,2 milhões; em 2023, 4,2 milhões; e, em 2024, 4,8 milhões. “As pessoas se encorajaram de novo a judicializar”, ressaltou Rafael Oliveira, que além da cultura do litígio, apontou os juros aplicados às condenações, a insegurança jurídica e o perfil protecionista da Justiça do Trabalho como fatores que contribuem para o custo da litigância trabalhista.
Na avaliação de Bruno Freire e Silva, professor de Direito Processual da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, a combinação entre tutela ao hipossuficiente e concessão ampla da Justiça gratuita facilita o acesso à Justiça. “O trabalhador move a ação; se ganhar, ótimo. Se perder, não há consequência. Isso contribui para a alta litigiosidade”, disse ao Anuário da Justiça. O advogado também destacou o avanço da advocacia predatória como um fator que colabora para o aumento da litigância.

O cenário, com temas de alto impacto econômico em discussão no Judiciário, exige das empresas atenção redobrada. Um dos assuntos do momento é a pejotização, que está em vias de ser julgado pelo STF por meio do Tema 1.389, de repercussão geral. Por determinação do ministro Gilmar Mendes, estão suspensas todas as ações que tratam da contratação de trabalhador pessoa jurídica para a prestação de serviços até a palavra final da corte. Para o advogado Fábio Monteiro, sócio do Pellegrina & Monteiro, a insegurança jurídica acerca do tema é grande. “As companhias costumam contratar especialistas — RH, financeiro, marketing — via pessoa jurídica. O tema vai ao Judiciário e entende-se que era relação típica celetista. Isso traz um contingenciamento que não estava no orçamento”, explicou.
Outra decisão aguardada está relacionada ao Tema 1.291, com repercussão geral, que discute o vínculo em plataformas digitais. A pauta toca um mercado em movimento: a empresa 99 anunciou retorno ao delivery com investimento de R$ 1 bilhão até o fim de 2025, e expansão a cem cidades até 2026, em um ambiente concorrencial redesenhado por limites e exclusividades. Além disso, a empresa chinesa Meituan anunciou que pretende investir R$ 5,6 bilhões no Brasil, em cinco anos, para lançar a sua marca de delivery Keeta. “Esse é um tema que vai impactar muito. O modelo de negócio deles se estrutura na ausência de vínculo e eles têm fortes elementos para dizer que não há, inclusive à luz da legislação. Essa é uma discussão muito importante, especialmente porque esse tipo de serviço tem crescido cada vez mais”, avaliou Eduardo Alcântara, sócio da área trabalhista do Demarest Advogados, ao Anuário.

Outra questão sensível é a inclusão de uma empresa do mesmo grupo econômico na fase de execução trabalhista, em debate no STF por meio do Tema 1.232. Fábio Monteiro frisou que a corte já formou maioria no sentido de não ser possível a responsabilização da empresa que não tenha participado da fase de conhecimento do processo trabalhista.

“Para a advocacia empresarial, isso é muito importante. Grandes grupos econômicos, às vezes, têm diversas empresas e uma delas acaba sendo atingida por uma ação que não tem a ver sequer com o objetivo social dela. Ela também não teve nenhum tipo de ingerência financeira e econômica sob aquele trabalhador e mesmo assim vem a ser responsabilizada pelo pagamento da obrigação decorrente do título judicial trabalhista. Então, esse é um tema que vai trazer um pouco mais de segurança para o empresariado e previsibilidade de custos”, ressaltou o advogado.
À cultura de litigância e à insegurança jurídica, que pressionam o custo da judicialização trabalhista, soma-se a inobservância da legislação, seja por sua complexidade, seja pela resistência do empregador em aplicá-la. “Tem os bons e maus empregadores. Os dados do TST trazem uma análise interessante, porque falam quais são os pedidos que hoje são mais recorrentes nas ações. E tem muito pedido de direito básico. Não é uma regra, mas há empresas que têm essa cultura de sonegar direitos básicos. Isso contribui para o aumento dessa judicialização”, ponderou Eduardo Alcântara.

Dados do TST mostram que as empresas têm saído vencidas nas disputas com os trabalhadores: 74% dos processos solucionados por varas do Trabalho foram favoráveis aos empregados, no todo ou em parte, em 2024. De acordo com análise de um milhão de processos solucionados, apenas 26% das decisões favoreceram as empresas.
Os temas com maior número de ações propostas em 2024 têm relação com rescisão do contrato de trabalho (30%), verbas remuneratórias e benefícios (16%) e duração do trabalho (15%).
Para tentar reduzir a litigiosidade na Justiça do Trabalho, o CNJ aprovou resolução que veda o ingresso de reclamação trabalhista quando o acordo ajustado entre empregador e empregado na rescisão do contrato de trabalho for homologado pela Justiça do Trabalho. A aprovação do Ato Normativo 0005870-16.2024.2.00.0000 foi unânime, em setembro de 2024.
O ministro Luís Roberto Barroso, que apresentou a proposta como presidente do STF e do CNJ, a alta litigiosidade trabalhista compromete a geração de postos de trabalho, a formalização do emprego e o investimento. “É ruim para o trabalhador, para o sistema de Previdência e para o desenvolvimento do país”, disse na ocasião. Segundo ele, a resolução garante a proteção do trabalhador, que sempre deverá estar assistido por advogado ou pelo sindicato, bem como dá segurança jurídica para o empregador.

O advogado Fábio Monteiro, assim como o presidente do STF, entende que a litigância elevada leva à redução de investimentos por parte do empresário. “O empresário deixa de investir no aumento da capacidade de produção quando existe uma exposição muito grande”, pontuou.

A resposta corporativa passa por compliance. “Hoje há uma preocupação maior com compliance, mas ainda vejo uma atuação descuidada das empresas, que precisam estar preparadas”, acrescentou Bruno Freire e Silva.
Eduardo Alcântara reforça a agenda: auditorias regulares, guarda documental, códigos de ética, canais de denúncia eficazes e treinamento de gestores são pontos centrais. “Os temas da vez hoje são assédio sexual e burnout, que é o esgotamento mental, assim como a ansiedade, que são reflexos do que a sociedade está vivendo”, afirmou.
Nesse ponto, destaca-se a alteração na Norma Regulamentadora 1 (NR-1) para prever fatores psicossociais como sobrecarga de trabalho e assédio moral e sexual no Programa de Gerenciamento de Riscos do trabalhador. As novas regras estão previstas para entrar em vigor em maio de 2026 — possibilitando às empresas uma janela para ajustes internos antes da autuação.
“Uma das formas de se diminuir o contencioso é ter uma preocupação consultiva e preventiva, com orientações para a tomada de decisões estratégicas, bem como ter um olhar com o viés humano. São relações humanas que demandam um cuidado. Então, não dá para tratar os trabalhadores por número e ignorar que se trata de um ser humano”, concluiu Bruno Freire.
Em paralelo a todo esse cenário, os números do DataJud mostram uma Justiça do Trabalho em ritmo intenso. Em 2025, foram 6,1 milhões de julgamentos concluídos — 17,3% a mais em relação ao total recebido. Entre as decisões do STF e do TST, destacam-se entendimentos sobre o trabalho intermitente, intervalo intrajornada e demissão coletiva.
ANUÁRIO DA JUSTIÇA DIREITO EMPRESARIAL 2025
ISSN: 2965-4580
Número de páginas: 172
Versão impressa: R$ 50, à venda na Livraria ConJur
Versão digital: gratuita, disponível no site anuario.conjur.com.br ou pelo app Anuário da Justiça
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- Giselle Souza é repórter do Anuário da Justiça.

Reportagem publicada no Anuário da Justiça Direito Empresarial 2025 em 18/11/25


