Silvana Deolinda

Bancos devem adotar medidas preventivas contra litigância predatória reversa

Decisão do TRT-8 acende alerta sobre uso abusivo de recursos judiciais e reforça a importância do compliance processual em instituições financeiras

A recente decisão do Tribunal Regional do Trabalho da 8ª Região (PA/AP), que condenou um banco por litigância predatória reversa, abriu um importante precedente e deve servir de sinal de alerta ao setor bancário. O caso demonstra que o exercício do direito de defesa, ainda que legítimo, não pode se transformar em instrumento de protelação e abuso processual. A 4ª Turma do TRT-8, além de condenar o banco, aplicou multa de 9,9% sobre o valor atualizado da causa — mais de R$ 11 mil — revertida ao trabalhador, ao reconhecer que a instituição utilizou manobras protelatórias capazes de comprometer a efetividade da Justiça e prejudicar a parte mais vulnerável da relação.

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O processo envolveu embargos à execução em ação trabalhista. O banco questionou o cálculo de valores devidos e tentou evitar o cumprimento de uma tutela de evidência que determinava a incorporação de uma gratificação à remuneração do trabalhador, além do pagamento de multa em caso de descumprimento. Para o relator, desembargador Carlos Rodrigues Zahlouth Júnior, a instituição financeira demonstrou resistência injustificada, utilizando recursos e estratégias para atrasar o pagamento mesmo após o trânsito em julgado. A Justiça do Trabalho entendeu que tais condutas ferem a boa-fé processual e a confiança da sociedade no Estado de Direito, além de perpetuar desigualdades no acesso à Justiça.

O conceito de “litigância predatória reversa” ainda é novo no meio jurídico, mas tem relevância crescente. Trata-se da conduta de grandes litigantes — como bancos e empresas com poder econômico — que, ao abusarem de recursos e expedientes processuais, invertem o papel protetivo da Justiça e criam obstáculos à efetividade das decisões. Nesse contexto, a decisão do TRT-8 reforça que o direito de defesa não é absoluto: encontra limites claros na boa-fé processual, na cooperação e na lealdade entre as partes, princípios expressos nos artigos 5º e 6º do Código de Processo Civil.

Conciliação e mediação

Os bancos precisam ficar atentos. O uso reiterado de recursos sem fundamento, a resistência à conciliação e o descumprimento de ordens judiciais podem configurar litigância abusiva, sujeitando a instituição a sanções financeiras e, principalmente, a danos reputacionais. A atuação processual deve ser estratégica, mas também responsável.

Nesse cenário, a conciliação e a mediação ganham papel ainda mais relevante. No caso do TRT-8, o banco foi condenado em parte por se recusar a dialogar e avaliar propostas de resolução consensual. O processo acabou se transformando em um campo de resistência. Demonstrar boa-fé e disposição para resolver conflitos de forma equilibrada pode, ao contrário, servir como prova de governança e de respeito institucional.

É possível — e recomendável — que os bancos adotem medidas preventivas. Formalizar políticas internas de compliance processual, registrando cada passo do cumprimento de decisões judiciais, é uma delas. Treinar equipes jurídicas e prepostos para atuarem em audiências com transparência, colaboração e respeito aos prazos mostra compromisso com o dever de cooperação. Avaliar previamente os riscos e custos de estratégias litigiosas mais complexas também contribui para equilibrar a defesa legítima com a responsabilidade processual, evitando interpretações de abuso.

Proteção da reputação da instituição

Outro ponto essencial é documentar todas as interações com o Judiciário, partes e advogados, evidenciando transparência e disposição para o diálogo, mesmo em casos de divergência. Contratos e procedimentos internos que incentivem a mediação antes do litígio podem funcionar como instrumentos eficazes para reduzir disputas prolongadas e proteger a reputação da instituição.

O precedente do TRT-8 marca uma mudança de paradigma. O Judiciário passa a avaliar não apenas o mérito das ações, mas a conduta das partes durante o processo. Grandes litigantes devem agir com responsabilidade processual, evitando transformar o aparato judicial em instrumento de atraso ou pressão econômica sobre o trabalhador.

Mais do que uma sanção pontual, a decisão indica uma nova lógica de responsabilização: o setor bancário precisa compreender que litigar com boa-fé é também uma estratégia de negócio — e um critério de reputação institucional.

  • Bruno Freire e Silva é sócio do escritório Bruno Freire Advogados, professor de Direito Processual do Trabalho na Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), membro efetivo da cadeira nº 68 da Academia Brasileira de Direito do Trabalho e advogado da Febraban.

Artigo publicado na Revista Eletrônica Consultor Jurídico em 09/11/2025

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