Silvana Deolinda

Saúde mental no trabalho: por que empresas e Justiça devem atuar juntas

Tribunais e empresas são chamados a agir diante do avanço dos transtornos mentais e seus impactos

Saúde mental influencia é importante para a produtividade e para a dignidade do trabalhador

Bruno Freire e Silva, sócio do Bruno Freire Advogados, professor de Direito Processual do Trabalho na Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ)

Passado o Setembro Amarelo, mês dedicado à conscientização sobre a prevenção do suicídio, permanece a necessidade de refletir sobre o papel das empresas e do Poder Judiciário na proteção da saúde mental de trabalhadoras e trabalhadores. Em um cenário marcado por jornadas extenuantes, pressões constantes e a naturalização do adoecimento emocional, o debate deixa de ser um tema restrito à esfera médica e passa a ocupar espaço central nas relações de trabalho — e nos tribunais.

Pessoa exibe flor amarela entre as duas mãos – Lina Trochez no Unsplash

Nos últimos anos, o Judiciário tem sinalizado de forma clara que a saúde mental não pode ser dissociada da dignidade do trabalhador. Tribunais regionais e superiores têm promovido eventos, seminários e programas de conscientização, como o Programa Trabalho Seguro, que coloca a integridade física e psicológica dos colaboradores como parte essencial de um ambiente laboral saudável. Essa postura reforça um novo paradigma: o de que prevenir riscos não é apenas uma questão de responsabilidade social, mas também de mitigação de litígios trabalhistas e de proteção do ser humano.

O reconhecimento da síndrome de burnout como doença ocupacional, em 2022, pela CID -11 (Classificação Internacional de Doenças -11) da OMS, reforça a gravidade do tema e amplia a responsabilidade das empresas. Ao lado de transtornos como ansiedade e depressão, o esgotamento profissional passou a ser diretamente associado ao ambiente laboral, exigindo medidas efetivas de prevenção, acolhimento e reintegração. Esse novo entendimento tem levado a Justiça do Trabalho a analisar com mais rigor casos de sobrecarga e más condições, consolidando jurisprudência que conecta saúde mental, dignidade humana e responsabilidade empresarial.

O cerco sobre a adoção de políticas internas de prevenção e acolhimento é cada vez mais intenso. A Justiça reconhece que o bem-estar do trabalhador não pode se limitar a discursos institucionais, devendo ser acompanhado de práticas concretas. Isso inclui treinamentos para líderes, canais eficientes de escuta ativa, programas de assistência psicológica e medidas que combatam a cultura do assédio, ainda presente em muitos ambientes corporativos.

Nesse contexto, soma-se ainda o adiamento da entrada em vigor da nova redação da Norma Regulamentadora nº 1, que incorpora os riscos psicossociais ao PGR (Programa de Gerenciamento de Riscos). A postergação não exime empresas de agir: ao contrário, aumenta a pressão para que desenvolvam políticas estruturadas de prevenção, já que eventual omissão pode gerar responsabilidade judicial futura.

Do ponto de vista empresarial, os sinais de alerta não podem ser ignorados. A OMS estima que a depressão e a ansiedade custam à economia global cerca de US$ 1 trilhão por ano em produtividade perdida.

A discussão, portanto, não deve se restringir a setembro. Mais do que campanhas pontuais, a construção de uma cultura organizacional que valorize a saúde mental precisa ser entendida como investimento estratégico e contínuo. O Judiciário tem cumprido seu papel ao pautar e decidir sobre questões sensíveis, mas cabe às empresas irem além do cumprimento da lei, assumindo protagonismo na criação de ambientes seguros, acolhedores e produtivos.

O editor, Michael França, pede para que cada participante do espaço “Política e Justiça” da Folha de S. Paulo sugira uma música aos leitores. Nesse texto a escolhida por Bruno Freire e Silva foi “Take My Heart Away”, de Imagine Dragons.

Artigo publicado na coluna Políticas e Justiça da Folha de S.Paulo em 09/10/2025

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