Com mais de 200 casos notificados e mortes confirmadas, a crise do metanol evidencia a importância de governança, rastreabilidade e resposta ágil na gestão de imagem corporativa.
A crise do metanol, que em outubro de 2025 assumiu proporções nacionais, é mais do que uma emergência sanitária — é uma crise reputacional que pode decidir o destino de bares e restaurantes em todo o Brasil. A desconfiança corre na velocidade das redes sociais, e quem não souber contornar a narrativa corre sério risco de ser engolido por ela.
O panorama mais recente
Até 5 de outubro de 2025, dados consolidados do Ministério da Saúde apontam:
- 225 casos notificados de intoxicação por metanol associados à ingestão de bebida alcoólica (16 confirmados + 209 em investigação)
- 192 notificações no estado de São Paulo, com 14 confirmados
- 15 mortes registradas, das quais 2 confirmadas em SP e 13 sob investigação, distribuídas entre estados como PE, MS, PB e CE
- 13 unidades federativas com casos confirmados ou suspeitos
- Distribuição emergencial de 580 ampolas de etanol farmacêutico (antídoto)
- Compra emergencial de 150 mil ampolas e mobilização por doses de fomepizol
- São Paulo concentra mais de 90 % das notificações recentes
Esses dados reforçam que estamos diante de uma situação inédita: um surto cuja intensidade supera em poucas semanas o total habitual de casos anuais no país (estimado em cerca de 20 casos por ano).
Além disso, esse episódio brasileiro inscreve-se numa estatística global preocupante: levantamento recente divulgado pela Folha indica que, nos últimos 27 anos, o mundo já contabilizou cerca de 40 mil casos de intoxicação por metanol, com 14 mil mortes. Esse dado confirma que casos graves de contaminação por metanol não são incidentes isolados — são tragédias recorrentes que reverberam internacionalmente.
Quando a confiança se torna o principal capital
No setor de bares e restaurantes, não se entrega apenas um drink — entrega-se uma promessa silenciosa de segurança, rastreabilidade e legitimidade. A crise do metanol rasga esse pacto. E, mesmo locais que não estiverem envolvidos diretamente, ficam vulneráveis à associação: “se aconteceu lá, pode acontecer aqui”.
Em um cenário em que o medo se espalha antes dos fatos, o silêncio é a pior estratégia possível.
A urgência da comunicação
Empresários podem temer que se manifestar alimente rumores. Mas em ambientes digitais, ficar calado é abrir espaço para versões manipuladas e acusações implícitas. Duas medidas são urgentes:
- Reconhecimento público e empático — mesmo sem envolvimento direto, manifestar solidariedade às vítimas e mostrar que o estabelecimento assume responsabilidade no cuidado que presta.
- Transparência e agilidade na comunicação — divulgar notas fiscais, registros de fornecedores, rótulos, laudos; publicar vídeos e imagens dos bastidores de controle e descarte de lotes suspeitos.
Quanto mais visível for o compromisso com a segurança, maior será a autoridade perante o público.
Gestão de crise não admite improviso
Para negócios que operam com bebidas, algumas práticas devem ser parte do cotidiano:
- Cadastro rigoroso e auditoria regular de fornecedores
- Procedimentos documentados de rastreabilidade e controle de lotes
- Porta-voz capacitado para lidar com mídia e público
- Manual ágil de respostas para redes sociais, imprensa e clientes
- Canal direto para esclarecimentos (telefone, WhatsApp, e-mail)
Esses não são apenas instrumentos de defesa — são exigências reputacionais para quem deseja sobreviver ao risco de generalização.
Transparência como estratégia de reconstrução
Após crises profundas, propaganda não reconstrói confiança — o que reconstrói é coerência entre o que se diz e o que se faz. Os diferenciais competitivos daqui em diante serão:
- Auditorias independentes com divulgação pública dos resultados
- Relatórios recorrentes e acessíveis de controle de segurança
- Parcerias visíveis com órgãos sanitários e vigilância
- Compartilhamento de bastidores e processos operacionais
É preciso que o público perceba evolução genuína — não tentativas de varrer o escândalo para debaixo do tapete.
Transformando crise em ponto de virada
Crises não definem marcas — é a resposta a elas que as molda. Este surto de metanol pode — e deve — funcionar como catalisador de mudanças profundas no setor: na exigência de fornecedores, na qualidade operacional e na maturidade comunicativa.
Responder com coragem, transparência e pragmatismo é o que separa marcas que naufragam daquelas que ressurgem mais fortes. No fim, não é a crise que define a marca — é a forma como ela a atravessa.
Silvana Deolinda, jornalista especializada nos campos de divulgação estratégica e assessoria de imprensa com experiência na área empresarial, institucional e do Direito, responsável pela divulgação da imagem de diversos escritórios de advocacia.


