Silvana Deolinda

TST derruba tese adotada por funcionários de bancos digitais para buscar jornada menor

Corte esclareceu que decisão sobre enquadramento como financiário não vale para categoria

Por Luiza Calegari  — De São Paulo

Rodrigo Takano: Tema 177 acabou gerando muita confusão sem necessidade — Foto: Gabriel Reis/Valor

O Tribunal Superior do Trabalho (TST) derrubou uma tese usada por ex-funcionários de bancos digitais para buscar jornada menor, o pagamento de horas extras e outros benefícios. Esclareceu que não vale para esses trabalhadores decisão que definiu que os empregados de administradoras de cartões devem ser enquadrados como financiários.

A discussão foi aberta em razão de dúvida gerada com julgamento realizado em junho. Na ocasião, os ministros concluíram que os “empregados das administradoras de cartão de crédito enquadram-se na categoria profissional dos financiários” (Tema 177). A decisão foi dada em caso envolvendo a FortBrasil, que era registrada como administradora de cartões de crédito, mas depois se transformou em uma instituição de pagamento.

A partir dessa mudança, advogados passaram a entender que a tese do TST se aplicaria também aos bancos digitais – que são instituições de pagamento. A confusão acontece porque a atividade de administração de cartão de crédito pode ser exercida por instituições financeiras, que estão autorizadas pelo Banco Central a transacionar crédito com recursos próprios. Mas também pelas instituições de pagamento, que também são registradas pelo Banco Central, mas não podem conceder empréstimos nem financiamento, só intermediar pagamentos.

Os trabalhadores das instituições financeiras podem ser enquadrados como bancários ou financiários. As duas categorias têm o mesmo sindicato e benefícios muito parecidos. O principal deles é a jornada de seis horas – o que daria o direito a horas extras em caso de período de trabalho superior, com reflexos em outras verbas trabalhistas. Nas instituições de pagamento, os empregados são contratados como comerciários ou trabalhadores de tecnologia da informação (TI) e não têm esses mesmos direitos, já que a função não lida diretamente com concessão de crédito.

Sentenças de primeira e segunda instâncias na Justiça do Trabalho refletiram a diferença de interpretação a respeito da tese do TST. Em uma sentença da 2ª Vara do Trabalho de São Paulo, a juíza Fernanda Soares enquadrou um ex-empregado de um banco digital como financiário, com base no Tema 177 do TST. Ela apontou que a empresa administra cartões de crédito, o que justifica o enquadramento como financiária, apesar do registro como instituição de pagamento (processo nº 1000144-95.2025.5.02.0002).

Debate ainda não está encerrado. As empresas não devem comemorar tão cedo”

— Jhonatan Pinati

Por outro lado, na 2ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho do Espírito Santo (TRT-ES), um empregado de outro banco digital não conseguiu enquadramento como financiário. Os desembargadores decidiram que a “parceria da instituição de pagamento com uma instituição financeira do mesmo conglomerado para oferta de produtos de crédito a clientes não a caracteriza como instituição financeira” (processo nº 0001343-65.2024.5.17.0010).

Para tentar pacificar a questão, a Fortbrasil apresentou embargos de declaração com pedido de efeito suspensivo e liminar. A empresa solicitava que a tese fosse suspensa até que o TST se manifestasse a respeito da distinção entre instituições financeiras e de pagamento, além de tratar da modulação dos efeitos.

O pedido foi analisado pelo relator, o ministro Aloysio Corrêa da Veiga. Segundo ele, “a tese foi firmada com base em jurisprudência de todas as turmas a respeito da matéria e a tese firmada pelo pleno é clara e não comporta interpretação extensiva para as instituições de pagamento”.

Com esse fundamento, o ministro negou o pedido liminar, entendendo que não há probabilidade de direito nem risco de dano ao resultado do processo, dois requisitos básicos para concessão de decisão com urgência.

A decisão, afirma o advogado Ricardo Calcini, sócio do Calcini Advogados e professor do Insper, é importante por afastar a equiparação das fintechs com instituições financeiras. “Com isso, as empresas de instituição de pagamento, reguladas pela Lei nº 12.865/2013, não mais terão os seus empregados enquadrados como financiários, por se tratar de decisão vinculante que passa a valer para toda Justiça do Trabalho”, afirma.

Rodrigo Takano, sócio trabalhista do Machado Meyer, destaca que o Tema 177 acabou gerando muita confusão sem necessidade, uma vez que se referia às administradoras de cartão. “O TST não poderia ter se posicionado de forma mais clara, dizendo que o Tema 177 não afeta as instituições de pagamento. Essa decisão demonstra que, na nova lógica dos precedentes, é essencial que os setores fiquem atentos a todos os temas – mesmo os que parecem não ter relação direta – para não serem pegos de surpresa depois com os efeitos vinculantes”, diz.

A aplicação divergente na Justiça do Trabalho provocava uma espécie de “jurisprudência oscilante”, segundo Willian Oliveira, sócio do Bruno Freire Advogados. Para ele, a nova decisão do TST trouxe segurança para as empresas. “Havia um risco real de que as fintechs fossem equiparadas a bancos, o que poderia gerar passivos trabalhistas milionários e alterar completamente o custo operacional do setor. O TST foi claro ao reconhecer que a inovação nos meios de pagamento possui natureza e regulação próprias.”

Sob a perspectiva dos trabalhadores, no entanto, o debate ainda não está encerrado. Jhonatan Pinati, sócio-administrador da JP Advocacia, afirma que, apesar da ressalva do ministro, não significa que os bancos digitais não estariam abrangidos pela tese, uma vez que boa parte deles acumula atividades de administradora de cartões, além de instituição de pagamento.

“Esse acórdão só reforça que instituição de pagamento não é financeira. Existem instituições de pagamento que têm administração de cartão de crédito em seu contrato social, então as empresas não devem comemorar tão cedo”, diz o advogado.

Notícia publicada no jornal Valor Econômico em 01/10/2025

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