Silvana Deolinda

Crise hídrica expõe ineficiência e pressiona empresas a reverem gestão da água

A crise hídrica já não é apenas ambiental: ela pressiona custos, ameaça serviços essenciais e redefine a responsabilidade

A crise hídrica que se manifestou desde o primeiro semestre de 2025 acendeu um alerta sobre a urgência de empresas adotarem uma gestão eficiente da água, sobretudo diante de setores que continuam a responder pela maior fatia do consumo hídrico no Brasil.

De acordo com o Relatório de Conjuntura dos Recursos Hídricos no Brasil (ANA, 2023), a irrigação agrícola responde por cerca de 50,5% do volume total de água retirada no país — longe à frente de outros setores —, seguida pelo abastecimento urbano (23,9%) e pela indústria (9,4%). Embora a indústria represente uma parcela menor do total, o volume envolvido ainda é significativo em termos absolutos, o que reforça a responsabilidade das empresas industriais em otimizar seu uso e evitar desperdícios. Além disso, o abastecimento urbano e saneamento, que engloba a água consumida diretamente nas residências e serviços municipais, têm peso expressivo na demanda nacional, com forte impacto sobre a segurança hídrica das cidades.

Essa participação reforça o papel central que empresas de saneamento e concessionárias exercem na gestão de recursos hídricos, pois são responsáveis por garantir oferta, confiabilidade e eficiência. Infelizmente, os dados mais recentes mostram que o desperdício ainda persiste em níveis preocupantes. Segundo o Ranking do Saneamento 2025 do Instituto Trata Brasil, em 2023 o índice médio de perdas na distribuição de água nas 100 maiores cidades brasileiras foi de 45,43%, piorando significativamente em relação aos 35,04% registrados em 2022, e acima da média nacional de 40,3%.

Para efeito de comparação, a Portaria 490/2021 do Ministério do Desenvolvimento Regional estabelece que um município com desempenho excelente deve registrar no máximo 25% de perdas na distribuição, meta que permanece distante da realidade urbana brasileira. Essas perdas representam não apenas desperdício ambiental, mas também aumento nos custos de operação das empresas de abastecimento e, por consequência, para os consumidores finais.

Conforme dados do Diagnóstico Temático– Visão Geral (SNIS 2023, ano de referência 2022), publicado pelo Ministério do Desenvolvimento Regional, estima-se que as perdas de água na distribuição representem um prejuízo financeiro da ordem de R$ 16,9 bilhões anuais. Este valor corresponde ao volume de 6,49 trilhões de litros de água tratada que foi produzido e não faturado, refletindo um índice de perda de faturamento total de 41,1% no país.

Em Limeira (SP), a eficiência na gestão hídrica é comprovada pelos resultados excepcionais obtidos sob o modelo de concessão privada. Conforme dados da Prefeitura Municipal, o índice de perdas na distribuição foi reduzido para apenas 16%, um dos mais baixos do Brasil e que se equipara aos padrões de excelência internacional. Esse desempenho, que inclusive rendeu à cidade um prêmio nacional, demonstra na prática como investimentos em modernização de redes, medição precisa e combate a vazamentos podem transformar a eficiência operacional do sistema. O caso de Limeira serve como um benchmark nacional, mostrando que é possível superar em mais de 20 pontos percentuais a média nacional de perdas (41,1%) e ficar bem abaixo do parâmetro de excelência de 25% estabelecido pela Portaria MDR 490/2021.

O mesmo raciocínio aplica-se a setores privados intensivos em consumo de água, como hospitais, shoppings, escolas e redes de varejo, onde iniciativas de monitoramento em tempo real, reuso de água e manutenção preventiva de redes hidráulicas já têm mostrado ganhos significativos de eficiência, redução de custos operacionais e maior resiliência frente à escassez hídrica. Além disso, a gestão eficiente de recursos hídricos fortalece a gestão de riscos em cenários de crise, contribuindo para que os empreendimentos estejam mais preparados para manter suas rotinas operacionais de forma contínua e segura.

Para empresas, portanto, gerir a água com eficiência não é escolha ética apenas, mas imperativo estratégico. Isso precisa passar por três frentes: mensuração de seu consumo (idealmente com medição setorizada, monitoramento e reuso interno), investimento em tecnologia para reduzir perdas e reaproveitar água (como reúso tratado para processos não potáveis) e integração com cadeias produtivas e governos para ampliar a governança da água em bacias e regiões.

O resultado dessas ações pode ser medido em menor pressão sobre recursos hídricos, menor custo de captação e energia (já que bombear água desgasta capital e oxidante), além de posicionamento reputacional mais sólido em tempos em que a água — como a própria energia — tornou-se recurso vulnerável e exposto a choques climáticos. Empresas que internalizam água como ativo estratégico construindo sistemas de gestão, medição, eficiência e reúso estão, na prática, protegendo seu caixa, sua licença para operar e sua resiliência futura. Esse movimento também está alinhado à Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável da ONU, contribuindo para mitigar riscos e, ao mesmo tempo, potencializar oportunidades de negócio e benefícios para a sociedade.

Em resumo, enquanto setores como a agricultura continuam consumindo a maior fatia de água — muitas vezes com perdas significativas —, a indústria e o setor urbano, embora consumam menos, devem liderar com inovação e governança: reduzir desperdícios, medir consumo, reutilizar, auditar processos e investir em infraestrutura.

A gestão de recursos hídricos mostra que empresas que adotam sistemas integrados de monitoramento, planejamento e eficiência conseguem não apenas reduzir custos, mas aumentar sua resiliência operacional e reputacional, transformando a água em um ativo estratégico para o negócio.

Lucas Souza, CEO da We Save, empresa especializada em soluções sustentáveis de consumo e gestão de água e energia.

Artigo publicado no site ESG Inside em 22/09/2025

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