Silvana Deolinda

Saneamento é economia, é saúde e é justiça: a PEC 2/2016 é só o começo

Reconhecimento constitucional é importante, mas só terá impacto real com fiscalização, investimento contínuo e controle social

Lucas Souza Advogado e CEO da We Save, empresa de soluções sustentáveis em consumo e gestão de água e energia

O Senado aprovou, em dois turnos, a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 2/2016, que inclui o acesso ao saneamento básico no artigo 6º da Constituição Federal (ao lado de saúde, educação, moradia e segurança). A medida, que agora segue para a Câmara dos Deputados, representa mais que um gesto simbólico: reconhece, enfim, o saneamento como um direito social fundamental.

Embora a inclusão constitucional não resolva de imediato os desafios do setor, marca um avanço político importante. O saneamento básico influencia diretamente a saúde pública, o meio ambiente, a economia e a qualidade de vida. Sua ausência aprofunda desigualdades e impõe um custo bilionário à sociedade, absorvido pelos orçamentos familiares, pelo SUS e pela inflação.

Um homem de camisa branca e braços cruzados na frente de um painel com um logotipo onde se lê We e o slogan Juntos economizamos mais
Lucas Souza é advogado e CEO da We Save, empresa de soluções sustentáveis em consumo e gestão de água e energia. – Reprodução

O impacto da negligência é visível. Em dezembro de 2024, o município do Guarujá (SP) registrou mais de dois mil casos de gastroenterite, com a prefeitura atribuindo o surto à contaminação das águas por esgoto. O episódio reabriu o debate sobre a ineficiência na coleta e tratamento de esgoto, sobretudo em regiões turísticas, onde a sazonalidade da demanda contrasta com riscos permanentes à saúde.

No mesmo período, a Sabesp rescindiu contratos com grandes consumidores e promoveu aumentos tarifários superiores a 200% para algumas categorias. A elevação de custos afeta diretamente os preços de bens e serviços (e com isso, o saneamento deixa de ser tema técnico ou ambiental para incidir também sobre a inflação).

A cadeia econômica do setor é menos visível que a de energia ou combustíveis, mas não menos sensível. Tarifas mais altas pressionam hospitais, indústrias, comércios, serviços e condomínios. Em cidades com alta verticalização, a conta d’água pesa na taxa condominial. A inadimplência aumenta, comprometendo a manutenção dos edifícios e a valorização dos imóveis. Hotéis e restaurantes, por sua vez, operam com margens reduzidas e são fortemente impactados em períodos de baixa temporada. 

A consagração do saneamento como direito constitucional deve ser o início de um novo ciclo de políticas públicas, não um ponto de chegada. A expansão da cobertura, estimulada pela abertura ao setor privado prevista no Novo Marco Legal do Saneamento, exige regulação firme, fiscalização efetiva e transparência por parte das concessionárias.

Em 2022, segundo o Instituto Trata Brasil, mais de 30 milhões de brasileiros ainda não tinham acesso à água potável e cerca de 94 milhões viviam sem coleta de esgoto. A meta estabelecida pelo Novo Marco Legal do Saneamento é universalizar esses serviços até 2033.

Para que isso se torne realidade, serão necessários investimentos expressivos: uma estimativa da Abcon Sindcon, realizada em parceria com a KPMG e divulgada em agosto de 2023, aponta que o país precisará aplicar aproximadamente R$ 900 bilhões até o fim da década para atingir os objetivos de cobertura plena.

A PEC é necessária, mas não suficiente. Seu valor dependerá da articulação entre governos, agências reguladoras, empresas e sociedade civil. Sem ação coordenada, planejamento de longo prazo e mecanismos eficazes de controle social, continuará a ser apenas mais uma promessa bem-intencionada impressa na Constituição (esquecida entre surtos de doenças, rios poluídos e tarifas inalcançáveis).

O editor, Michael França, pede para que cada participante do espaço “Políticas e Justiça” da Folha de S. Paulo sugira uma música aos leitores. Nesse texto, a escolhida por Lucas Souza foi “Alagados“, de Os Paralamas do Sucesso.

Artigo publicado na coluna Políticas e Justiça, na Folha de S.Paulo, em 23/06/2025

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