Silvana Deolinda

Tese do TST sobre administradoras de cartão não vale para instituições de pagamento

Decisão não encerra controvérsia sobre IPs, mas pode reforçar entendimento já aplicado pelas turmas do TST

O ministro Aloysio Corrêa da Veiga, do Tribunal Superior do Trabalho, afirmou que a tese da corte sobre o enquadramento dos empregados de administradoras de cartão de crédito como financiários não pode ser estendida para as instituições de pagamento (IPs).

A manifestação ocorreu na fundamentação de uma decisão monocrática do final do último mês de setembro. Na prática, o magistrado apenas negou um pedido para suspender a decisão anterior sobre as administradoras de cartão.

Essa delimitação dos empregados pode ter impacto na jornada de trabalho. O artigo 224 da CLT garante uma jornada especial de seis horas diárias para financiários e bancários.

Por enquanto, está estabelecido apenas que os empregados de administradoras de cartão também têm direito a essa jornada reduzida. Isso foi decidido em junho pelo Pleno do TST.

A nova decisão dá um indicativo sobre qual seria a solução para a mesma discussão em relação aos empregados de instituições de pagamento, embora não resolva completamente a controvérsia.

O pronunciamento de Corrêa da Veiga foi feito em resposta a embargos apresentados no mesmo caso sobre as administradoras de cartão. A empresa ré no processo alegou, entre outras coisas, que o TST não se manifestou sobre a distinção entre instituições financeiras e IPs com relação à jornada dos empregados.

“A tese firmada pelo Pleno é clara e não comporta interpretação extensiva para as instituições de pagamento”, disse o ministro, que é relator da ação, ao rejeitar o pedido da empresa.

A associação Zetta, que representa diversas fintechs (empresas de finanças e tecnologia, com diferentes atuações), havia pedido para entrar no processo como assistente simples ou amicus curiae (amiga da corte, que tem a função de trazer informações relevantes para o caso).

Na mesma decisão, Corrêa da Veiga negou o pedido e afirmou que a Zetta não conseguiu demonstrar de que modo a aplicação da tese do TST afeta diretamente suas atividades.

Qual o impacto?

O advogado Bráulio Almeida, sócio da área trabalhista do escritório /asbz, explica que a decisão monocrática não estanca as dúvidas sobre o assunto, pois não tem a mesma força de uma decisão colegiada do Pleno.

Por outro lado, ela reforça bastante um entendimento que já vem sendo aplicado pelas turmas do TST de forma “praticamente uníssona”.

O TST só colocaria fim a qualquer dúvida se julgasse a questão das IPs da mesma forma que julgou a controvérsia sobre as administradoras de cartão: com uma tese vinculante estabelecida em um incidente de recursos repetitivos (IRR).

Para isso, seria necessário que um ministro encaminhasse ao Pleno algum processo sobre empregados de IPs. Isso vem sendo discutido nos corredores da corte, tanto por advogados quanto por magistrados, mas ainda não há nada concreto.

De acordo com o advogado Willian Oliveira, sócio do Bruno Freire Advogados, a decisão de Corrêa da Veiga somente deixa claro que a tese sobre administradoras de cartão não se aplica às instituições de pagamento, mas não define se os empregados das IPs podem ou não ser enquadrados como financiários ou bancários.

Ou seja, na visão do advogado, a conclusão do ministro — de que a tese estabelecida em junho não vale para as instituições de pagamento — não é suficiente para afastar um eventual enquadramento dos empregados de IPs como financiários ou bancários “em outro eventual IRR”.

É certo apenas que isso não será analisado dentro desse processo sobre as administradoras de cartão. Segundo Oliveira, se fosse o caso, a Zetta teria sido aceita como amicus curiae, já que boa parte das suas associadas são IPs.

Almeida explica que a confusão surge porque muitas IPs participam “do fluxo de emissão de um cartão de crédito”. Tais empresas atuam, por exemplo, como intermediárias de cartões de varejistas (fazem o arranjo entre o emissor do cartão e a loja). Mas não são empresas de crédito — na verdade, são “regulatoriamente proibidas de captar crédito no mercado”.

Ou seja, IPs não são administradoras de cartão: “São institutos distintos”. Elas também têm menos exigências regulatórias do que os bancos ou empresas de crédito, até porque surgiram a partir da ideia de desburocratizar o mercado financeiro.

Já as fintechs podem ou não ser IPs. Fintech é, na verdade, um termo jornalístico — não um termo jurídico — que abrange uma série de novos modelos de negócios do setor financeiro.

As IPs representam um desses modelos. Mas há também os bancos digitais, e ainda outras fintechs que podem ser, inclusive, administradoras de cartões.

Clique aqui para ler a decisão

RR 0011793-60.2023.5.18.0241

Tema 177

Notícia publicada na revista eletrônica Consultor Jurídico em 09/10/2025

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